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A decisão do governo de não mudar os editais de licitação das seis áreas no Pará, cujo leilão aconteceria no dia 31 de março e foi postergado para o dia 10 de junho, é reveladora de que Brasília está convencida do interesse privado.
Na entrega das propostas, em 28 de março, mesmo antes da suspensão do certame ocorrida no dia, o movimento era fraco em frente à BM&FBovespa, onde os envelopes com as propostas deveriam ser protocolados. Mas o Valor apurou que havia grupos interessados e que ao menos um - a Fortesolo - recuou em cima da hora por insegurança jurídica. O problema foi, como disse o governo, o risco de o resultado ser impugnado pelo fato de a agência reguladora, a Antaq, responsável pela licitação, não ter respondido a todos os pedidos de esclarecimentos devido a uma falha de informática.
Fonte do governo disse ao Valor que, até ali, estavam estudando disputar os arrendamentos a Caramuru, maior processadora de grãos de capital nacional, a Odebrecht Transport e a chinesa CCCC - todas de olho em alguma área para granéis sólidos vegetais; além da Fortesolo, no lote para fertilizantes. Das seis áreas, cinco são para grãos, sendo três em Outeiro, uma em Vila do Conde e outra em Santarém. Neste porto, também será arrendado lote para granel sólido mineral (fertilizantes).
Para especialistas, o baixo interesse vai além de um erro de informática. É uma conjunção de fatores, começando pelo ambiente hostil a investimentos devido à conjuntura econômica e sobretudo à instabilidade política, que se agravou nos últimos dias, sobrepondo-se às questões técnicas. O clima afasta investidores mais céticos e deixa espaço apenas para quem precisa da área para exportar ou importar sua carga ou, ainda, para quem tem fôlego para se posicionar na região, à espera da finalização da BR-163 e da ferrovia Norte-Sul, que vai chegar a Barcarena (PA), local do porto de Vila do Conde.
Representantes da empresa russa de ferrovias Russian Railways estiveram na Secretaria de Portos na semana passada e, segundo a pasta, demonstraram interesse em um projeto ferro-portuário em Vila do Conde, especificamente na construção do trecho da ferrovia Norte-Sul de Açailândia (MA) a Barcarena. Isso eliminaria algumas "pernadas" no transporte da carga, reduzindo custo e potencializando o interesse no lote de Vila do Conde. Mas o modelo ferroviário ainda suscita muitas dúvidas e, em geral, os investidores estrangeiros não querem entrar sós.
À parte o cenário político e o interesse de algum grande grupo de fora, o caso é que hoje as grandes originadoras de cargas já estão com sua logística portuária equacionada no Pará e redondezas. Desde 2013, quando o governo anunciou o pacote de arrendamentos portuários e colocou os portos do Pará no primeiro bloco de licitações - entre os mais promissores devido ao Arco Norte -, muita coisa mudou.
Enquanto os estudos estavam no Tribunal de Contas da União - onde ficaram por quase dois anos -, as grandes tradings desenvolviam seus projetos de terminais de uso privado (TUP) ou expandiam seus arrendamentos na região. Hoje, Amaggi, Bunge, ADM (com Glencore), Cargill têm, todas, saídas logísticas próprias no Norte, além de empresas prestadoras de serviços, como a Hidrovias do Brasil. Outra gigante, a Louis Dreyfus está no Tegram, no Maranhão.
Soma-se a isso a revisão, em 2015, da poligonal do porto de Vila do Conde. O novo traçado imaginário que delimita a área do porto organizado retirou lotes do porto público, aumentando a oferta de terrenos que podem ser comprados por privados. Um estímulo a mais para empresas interessadas em desenvolver seus próprios terminais sem as restrições de um arrendamento em porto público.
"O problema não está no edital, está na demanda já atendida pela infraestrutura de terminais. A logística das grandes originadoras de cargas já está equacionada. Sobram os pequenos, que não têm capacidade para bancar investimentos greenfield [do zero] altos, especialmente num momento em que o crédito está caro", afirma o consultor Fabrizio Pierdomenico, sócio da Agência Porto.
Se para as grandes tradings que recebem capital de fora pouca diferença faz um modelo do outro - já que para elas porto é, de toda forma, um centro de custos dentro de suas cadeias -, para operadores portuários, que sobrevivem eminentemente da movimentação de cargas, lançar mão de um investimento do zero dentro de um porto público é uma conta alta que precisa estar muito bem calibrada.
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