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Detalhes: Dias atrás, após a fala da presidente Dilma Rousseff sobre o tema, a reforma da previdência voltou com força à mídia, amparada, sobretudo, em dois pilares: O aumento da expectativa de vida da população e a queda da taxa de natalidade no país, com a população mais velha aumentando mais que a população jovem, o que pode gerar um desequilíbrio entre os que recolhem para a Previdência hoje e amanhã e aqueles que receberão seus benefícios amanhã e depois de amanhã.
Esses fatos são reais, mas insuficientes para o debate do tema e a busca de soluções. Passam ao largo desses argumentos questões graves como a relação entre as políticas econômicas, a estabilidade monetária e a geração/destruição dos empregos, além da vinculação da previdência à Seguridade Social e de como aquelas políticas impactam seu orçamento.
Quanto à primeira, tanto o desemprego quanto a redução da renda do trabalho são defendidos hoje por aqueles que os consideram custos necessários para se enfraquecer a demanda e, com isso, se reduzir a inflação. Para isso adotam juros altíssimos e um corte não-financeiro de gastos.
Ao mesmo tempo, como resposta aos impactos da crise econômica mundial no país, a desoneração da contribuição do INSS sobre a folha de salários enfraqueceu intensamente o caixa da previdência, alterando a relação receita-despesa nesse segmento.
Por fim, a sempre protelada reforma agrária deixa milhões de agricultores à margem da produção com registro formal e contribuição previdenciária, o que não os impede de, com mãos calejadas, solicitarem o pagamento desses benefícios no futuro.
Por isso, a despesa com o segmento rural deveria, em grande parte, ser considerada como assistência social rural no orçamento da Seguridade Social. As receitas recolhidas pela previdência social rural foram de R$ 11,29 bilhões em 2014, com renúncias de R$ 4,62 bilhões e despesas de R$ 88.70 bilhões, num déficit de R$ 77,40 bilhões em 2014, (Anfip, 2015, p.134).
Há, também, a metade da população que trabalha e hoje está na informalidade. Cidadãos que buscarão no futuro os benefícios assistenciais caso não atinjam um determinado valor de renda per capta na família.
A previdência social urbana, porém, é superavitária. Em 2014 arrecadou R$ 371,22 bilhões, sofreu renúncias de R$ 28,39 bilhões e teve saldo de R$ 65,72 bilhões (Anfip, 2015, p.131). Como pontuar adequadamente, portanto, as razões para uma “reforma da previdência”?
Partindo exatamente das questões antes omitidas pelo discurso da reforma: O orçamento da Seguridade Social e as políticas econômicas. No primeiro se amparam receitas e despesas da previdência social, da assistência social e do SUS. Essa é a construção constitucional de 1988 (artigos 194 a 198).
Nesse sentido, há anos, as receitas da Seguridade Social sofrem pesadamente com a sonegação de suas contribuições (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a CSLL, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social-Cofins, entre outras), com as renúncias (receitas de suas contribuições que deixam de ser recolhidas a favor da comercialização de produtos e de segmentos do capital) e com a desvinculação das receitas da união, a DRU, sobre seu orçamento, o que já mostramos aqui em 12/11/2015, em artigo intitulado “Para quê prorrogar a DRU? ”.
Esse mecanismo, que desde 1994 vem desviando 20% do orçamento da Seguridade Social para a conta única do tesouro nacional, mesmo reduzindo a amplitude de sua incidência ano após ano, pode subir agora para 30%, por mais oito anos (em vez de quatro, como desde 2003) através da PEC 87/2015, do Poder Executivo, que tramita na Câmara Federal.
Segundo o Auditor Vilson Romeiro, analisando a PEC 87/15, “se prosperar a PEC em tramitação, só em 2016 mais de R$ 118 bilhões de tributos como a Cofins, a CSLL e o PIS/Pasep, serão retirados de ações voltadas aos mais necessitados, ao atendimento hospitalar e aos programas de transferência de renda como seguro-desemprego e bolsa-família. ” Ele ainda afirma que “ nos últimos três anos, quando o percentual era de 20%, foram quase R$ 200 bilhões que deixaram de ser aplicados em ações das áreas da Saúde, Previdência e Assistência Social”. (Anfip, 2016).
Ainda assim, contudo, com sonegação, renúncias (de R$ 79,45 bilhões em 2014) e a incidência da DRU nas suas receitas, a execução orçamentária da Seguridade (computadas as despesas com o SUS, a assistência social e a previdência social) é superavitária. Em 2014 gerou saldo positivo de R$ 53,9 bilhões, tendo obtido R$ 82,69 bilhões em 2012.
Com tudo isso, inexplicavelmente, a atual proposta de reforma da previdência omite sua vinculação à Seguridade Social. Por quê? A segunda questão revelará o impacto que o setor sofre com a execução da política monetária vigente, como vimos antes.
Os altos juros aplicados contra a inflação explodem a dívida pública e sequestram o tesouro nacional exigindo, via formação do superávit primário, mais receitas para seu pagamento. Em 2014 a conta dos juros chegou a R$ 311,38 bilhões, 25,1% maior que em 2013, 5,6% do PIB, (Anfip, 2015, p.39). Esse tem sido o destino da maior parte das receitas da Seguridade Social desvinculadas pela DRU.
Por isso se propõe o aumento da desvinculação para 30% e sua prorrogação por oito anos. Com isso o orçamento da Seguridade, amparado constitucionalmente, é engolido pelo Orçamento Fiscal, que vira âncora da dívida pública, desaparecendo, na prática, a sua autonomia e os fins aos quais se destina (novamente, nos termos dos artigos 194 a 198 da CF de 1988). E quanto à terceirização, cuja proposta de generalização estava contida no Projeto de Lei 4.330, que impacto gera nas receitas da previdência?
Segundo a Anfip, “os efeitos da terceirização sobre a redução do custo da mão de obra são grandes. Estudo recente do Dieese aponta que os terceirizados recebem um quarto a menos de salários (-24,7%); trabalham 3,5 horas a mais a cada semana ( 7,95%) e estão submetidos a uma rotatividade 88% superior à dos demais trabalhadores empregados diretamente para a execução dos serviços.
A essa diferença soma-se a ausência ou diminuição de outros direitos como os valores dos auxílios alimentação, refeição, creche etc. Com a terceirização generalizada, o aumento da rotatividade no trabalho ampliará o número de trabalhadores que buscam, por exemplo, o seguro-desemprego, com graves repercussões sobre essas despesas, ou pior, agravando os efeitos sociais das restrições ao acesso a esse direito que foram impostas pelas medidas de ajuste (MP 665). “ (Anfip, 2014, p.98).
Assim, em vez de uma pseudo-reforma da previdência, para enfrentarmos o fortalecimento da Seguridade Social e de suas bases, torna-se urgente a adoção de um conjunto de amplas medidas. Entre as administrativas e judiciais, destacam-se o combate preventivo à sonegação das receitas e uma melhor capacidade de execução dos débitos previdenciários e das contribuições próprias para a Seguridade Social.
É essencial que se garanta também a devolução, ainda que progressiva, das receitas desvinculadas pela DRU, como defende a PEC 4, apresentada em fevereiro de 2015 pelo Líder do PDT, deputado André Figueiredo, o que fiz já em 2011, com a PEC 75, para o mesmo fim.
Isso é possível, pois no governo Lula retirou-se a DRU do orçamento federal da educação, pela Emenda Constitucional 59/2009. Os mercados, porém, querem a prorrogação da desvinculação em nome do menor “engessamento” da administração federal e da maior flexibilização dos gastos públicos.
Na verdade, para se conferir estabilidade aos gastos com a dívida pública (juros e o principal), o que se pretende é ampliar a cobertura à formação do superávit primário. Ao mesmo tempo, é essencial para a previdência social e a Seguridade a progressiva restituição das receitas desoneradas do INSS sobre a folha de salários e das contribuições devidas à Seguridade (CSLL, PIS-Cofins).
O mais importante, porém, é a mudança das políticas monetárias anti-inflacionárias. Além de se reconhecer de vez que preços administrados e comercializáveis no IPCA são insensíveis à elevação das taxas de juros, urge uma mudança de lei ordinária, pela qual caberá ao Banco Central um mandato com novas atribuições (cuidar não só da estabilidade da moeda, mas do nível de emprego e do crescimento econômico) como propus em projeto de lei na legislatura de 2011 a 2014.
Com essa nova missão, o combate à inflação certamente não terá o viés recessivo vigente desde, pelo menos, 1999. O que se impõe, por fim, é a vigência definitiva do orçamento da Seguridade Social, abolindo-se sua incorporação ao orçamento fiscal, herança de 1994. Por fim, ainda que isso represente a promoção de um universo de “apenas” 30 mil futuros trabalhadores, exige-se a execução de um programa de promoção da vida, contra o atual extermínio dos jovens, uma ação de proteção da juventude no contingente populacional em idade ativa.
A mortalidade dos jovens no país, que em 2012 significavam 26,7 % da população dos 14 aos 29 anos, representou, porém, 53,4% dos homicídios registrados naquele ano. Para isso unifiquem-se as ações e metas dos Estatutos da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Juventude e o Plano Nacional de Educação (Lei 13.003/2014), a escola de tempo integral com educação integral no campo e na cidade, atreladas à obrigatoriedade constitucional da matrícula dos 4 aos 17 anos, vigente desde 2009, ao lado da execução das metas de acesso ao ensino superior previstas também no referido Plano.
Em síntese, trata-se de promover a elevada escolarização dos jovens e de todos os demais em idade ativa, garantindo-lhes a progressividade da educação básica ao ensino superior, mais anos de estudo e formação profissional, para que exerçam o direito ao trabalho com mais cidadania, maior produtividade e melhor remuneração, consequentemente, com impacto positivo para as contribuições ao INSS de trabalhadores e empresários (sobre a folha de salários) em cadeias produtivas de maior valor agregado, ou sobre o faturamento, nos setores de serviços mais desenvolvidos e menor emprego de mão-de-obra, o que é bastante diferente de hoje, onde predominam trabalhadores de mais baixa qualificação e anos de escolaridade.
Sem as medias aqui apontadas uma nova reforma da previdência manterá intactos os desvios acumulados desde 1994, desde os antecedentes da DRU. Manterá vantagens ao capital (combate ineficaz à sonegação e concessão de pesadas desonerações), além de preservar no combate à inflação convenções dogmáticas e autoritárias, a favor da reprodução meramente financeira do capital, com desemprego e queda da renda do trabalho, servindo às posições defendidas pelos credores da dívida pública, pelos bancos e seus programas de previdência privada.
Esses equívocos certamente produzirão no futuro mais e mais desequilíbrios orçamentários, com privilégios para poucos. Como apontamos, porém, há caminhos diferentes, mais democráticos e estruturantes, para o fortalecimento constitucional da Seguridade Social, da previdência, assistência social e do SUS, como direitos fundamentais da cidadania e não faltará quem possa apoiá-los.
(*) Professor da UFPE, membro da Executiva Nacional do PDT, ex-deputado federal.
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